Logo que colocou os objetos embaixo da
carteira, Pitu encontrou o bilhete. Leu, ficou vermelho, colocou no bolso, não
mostrou pra ninguém. De vez em quando, mordia-lhe uma curiosidade grande, uma
vontade de reler pra ter certeza. Era uma revelação que ele não estava
esperando. Não podia dizer que estivesse achando ruim, pelo contrário... Ele
estava com vontade de olhar para trás, para as últimas carteiras e procurar por
uma resposta com o olhar. Era um tímido e não se encorajava. A professora
explicava num mapa as regiões do Brasil e ele viajava num rumo diferente. Ainda
bem que ela não estava olhando pra ele, nem fazendo perguntas, só estava
expondo a matéria. Na hora da verificação, acabaria saindo-se mal. Não gostava
de ignorar as coisas perguntadas. Só não se saía muito bem quando se tratava de
fazer contas de números fracionários.
A professora mesma dizia-lhe que em
Português e matéria de leitura e entendimento ele se saía bem; mas nos cálculos
tinha dificuldades. Agora estava distante, pensava em poesias românticas, em
música sentimental. Estava meio perdido nos pensamentos confusos. O bilhete
queimando no bolso. Uma vontade de relê-lo, palavra por palavra. Interessante,
não era um bilhete bem escrito, tinha até erro de Português - por que a
curiosidade? Só ele sabia dele, não foi como no dia do correio elegante, pai,
mãe e seu Francisco do armazém querendo saber, dando palpites. Agora, tinha um
bilhete e era diferente. Tinha um bilhete que trazia uma declaração de amor e
uma assinatura. Trazia mais: trazia um convite para um bate-papo na praça, às
duas horas, se ele quisesse namorar de verdade. Marina era bonitinha, ele
queria. Falta-lhe jeito de dizer, tinha que escrever um bilhete respondendo,
era mais fácil. No intervalo, escreveu o bilhete, fechado no banheiro. Quando
ela chegou, a resposta a esperava na carteira. Quase no fim da aula, ele criou
força e olhou para trás. Marina sorria, confirmando. Ele sorria também.
Diversas vezes, ele olhou pra trás e a encontrou olhando. Trocaram sorrisos e
olhares. Os dois estavam vivendo uma ternura primeira e não sabiam escondê-la
mais. Tanto assim que a professora pediu que ele virasse pra frente, observasse
o que ela estava pedindo pra pesquisa do fim de semana. Naquele fim de semana,
ele iria pesquisar alguma coisa nova que não tinha experimentado, como alguns
outros de sua idade e turma.
Elias José. O bilhete do amor. In: Histórias de
amor. Coord. José Paulo Paes.
São Paulo: Ática, 1997. p. 109-111. v. 22. (Para
Gostar de Ler).
FONTE: www.portuguescompartilhado.com.br/2018/02/interpretacao-de-texto-8-e-9-anos-com.html
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