De tarde, ao dobrar uma esquina,
aquele encontrão. Mercedes Pires nem reparou nele, que foi sua grande paixão.
Aniceto de Castro, o Castrão das Rendas Aduaneiras, também em Mercedes não
reparou. Esteve na curva de 1922,
a pique de meter uma bala no casco pela beleza em flor
de Mercedes. E Mercedes, pelo bem-querer de Castro, quase abriu os pulsos com
uma faca de cortar mortadela. Do talho aos jornais era pulo de periquito. E até
imaginou o berro das manchetes: “Linda moça de Cordovil morre por um amor
impossível.” Mas entre o tiro que não houve e a faca que não cortou, a folhinha
da parede desfolhou quarenta bem passados anos. E de repente, na dobra de uma
esquina, aquele esbarrão.
Castro nem
reparou em Mercedes.
Falou para dentro, para o ouvido de seu suspensório:
‒ Uma ilha desta tonelagem devia
andar no meio da rua, com placa de caminhão nas costas. É páreo para ônibus e
não para gente de calça e botina.
Mercedes
também não reparou em
Castro. Falou sozinha:
‒ Cada tipo esquisito! Parece, de tão
gordo, que está esperando criança. Se tivesse espelho em casa, devia reparar
que aquela cara de engomador elétrico não pode usar óculos, nem costeleta. É cara
para tomada de parede.
E assim um
passou pelo outro. Perdidos na distância de quarenta anos.
(José Cândido de Carvalho)
FONTE: almanaquenilomoraes.blogspot.com/2016/09/amor-imortal-morre-de-tarde.html
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